domingo, 4 de novembro de 2012

Entrevista com KANAVILLIL RAJAGOPALAN: Ponderações sobre linguística, política linguistica e ensino- aprendizagem.

           Kanavillil Rajagopalan é um estudioso da área linguistica. Por seu trabalho profícuo na área da linguagem, conquistou grande respeito nacional e internacional. Rajan, como conhecido no meio acadêmico, atualmente é professor titular da UNICAMP e tem o seu interesse como pesquisador especialmente voltado para questões que abrangem políticas linguísticas. Seu percurso de formação acadêmica foi trilhado na Universidade de Kerala(1966), com o curso de Bacharelado em Literatura Inglesa, e na Universidade de Dehli, onde concluiu dois cursos de mestrado: Literatura Inglesa(1970) e Linguística(1973). Também diplomou-se em Linguística Aplicada pela Universidade de Edinburgo(1975). Pela PUC/SP(1982) obteve o título de Doutor em Linguística Aplicada, e pela Universidade da Califórnia(1993) o Pós-Doutorado em Filosofia da Linguagem. Escreveu e organizou vários livros: Por uma Linguística Crítica: linguagem, identidade, e a questão ética; A Geopolítica do Inglês; a língua que nos faz falhar; Nova Pragmática- Fases e Feições do Saber, entre outros.
            O professor Rajan nos concedeu gentilmente esta entrevista no dia 05 de outubro, quando esteve presente em Sinop para palestrar no IX Colóquio Nacional de Estudos Linguísticos e Literários e II Colóquio Regional de Linguística Aplicada- "Linguagem, Ciência e Ensino: Desafios Regionais e Globais" realizado pelo curso de Letras da UNEMAT e a ALAB.
            Aqui ele discute sobre linguística aplicada, língua e linguagem e ensino-aprendizagem de línguas. Também transitam suas acepções sobre mestiçagem e realidade linguística no mundo globalizado onde o conhecimento das politicas linguísticas é fator crucial para melhor entender, lidar e ensinar as línguas que fazem parte do nosso contexto.

Silva, Santos e Justina: O que é fazer linguística aplicada na contemporâneidade?

Rajan: Linguística aplicada, pra mim, nada mais é do que pensar a linguagem no âmbito da vida cotidiana que nós estamos levando. Não fazendo grandes elucubrações. Daí a diferença entre a linguística dita teórica e a linguística aplicada. É pensar, não como se pensou durante muito tempo: levar a teoria para a vida prática. Mais que isso, é usar a prática como prório palco de criação de reflexões teóricas, ou seja, neste ambito teoria e prática nao sao coisas diferentes. A teoria é relevante para a pratica porque é concebida dentro da prática. Então, eu acho que há um consenso crescente, entre mesmo os ditos teóricos, de que é preciso pensar a forma como se conduzia a teoria. Tradicionalmente teoria se fazia de modo Socrático, olhando para o céu, desvinculado da realidade. Isso não tem o menor sentido. Temos que voltar os nossos pensamentos para o mundo que estamos vendo, vivendo. É através da vivência dentro desse mundo que nós temos que pensar, quer dizer que, não há teoria que seja one side speaks all, ou seja, uma teoria pronta para qualquer situação. Toda realidade, toda circunstância, exige novas complexões teóricas. Isso pra mim é Linguística aplicada.

Silva, Santos e Justina: Partindo dessa idéia de que a linguística aplicada tem como objeto de estudo a linguagem, qual a concepção que o senhor defendede língua e linguagem?

Rajan: A linguagem é aquilo que a gente vive, é nossa vivência, nao se restringe à língua. Linguagem é um conceito muito mais amplo que língua. Língua faz parte, e nem sei se a língua faz parte essencial da linguagem, do ambito da linguagem. A linguagem é o nosso modo de lidar com as nossas circunstâncias, a nossa sociedade, a nossa inserção dentro da sociedade. Portanto, tudo dentro do mundo é mediado pela linguagem, então pra mim linguagem é tudo.

Silva, Santos e Justina: Nós sabemos que o professor tem desenvolvido várias pesquisas, que são muito interessantes para a área de linguística aplicada tanto em cenário brasileiro quanto no exterior. Quais são seus focos de pesquisa? O que o senhor tem investigado recentemente e qual a importância dessas pesquisas para uma reconstrução de uma nova identidade na área de linguística aplicada ?

Rajan: Bom, nos últimos dez anos, como vocês sabem muito bem, eu tenho trabalhado muito, cada vez mais intensamente na área chamada política linguística. Nesse ano mesmo, eu participei de quatro ou cinco congressos internacionais, todos eles voltados para a política linguística. Então, seguramente o que me atrai cada vez mais, é o campo de política linguística. Tanto assim, que hoje em dia eu digo, por exemplo, quanto ao campo de ensino de línguas, que é apenas uma das tantas manifestações de uma política linguística. Historicamente a gente cometeu um grande erro de pensar que o ensino de línguas só dependia do conhecimento da língua. Portanto, a linguística era concebida como uma área teórica que procurava entender o que é desvendar os mistérios da língua resolveria todo o problema. Na melhor das hipóteses a gente pensava: "linguista sozinho não conseguiria dar conta, então vamos chamar o pedagogo". Pedagogia também não dava. Ou seja, eram campos distintos trabalhando e a gente procurava fazer um arranjo. Não é isso! Hoje em dia, internacionalmente há pessoas que cada vez mais pensam que a política linguística implica qualquer pensar sobre o ensino de línguas no país, quer seja da língua materna, quer seja da língua estrangeira, tem que ser colocado, antes de mais nada, no contexto da macropolítica que o país tem. Eu participo de uma comunidade virtual que opera internacionalmente e que tem pessoas de todo tipo de lugar: Estados Unidos, Canadá, México, Oriente Médio, Israel, Egito e Ásia também. A gente troca intensamente trabalhos e procura se encontrar nos congressos internacionais. A exemplo de AILA, a  minha participação foi com esse grupo neste ano, há dois meses atrás. Agora em novembro eu estarei em Nova Zelândia para participar de outro congresso e encontrarei com o pessoal desse grupo. A gente está, cada vez mais, percebendo que não adianta uma série de atividades relacionadas à língua sem pensar em política linguística. Então, resumindo, a área de maior interesse hoje em dia é a de política linguística.

Silva, Santos e Justina: Hoje nós estamos inseridos dentro de uma sociedade globalizada onde o ensino de línguas estrangeiras está em alta. Há algumas políticas que estão sendo feitas, tanto pelo estado quanto pelos municípios para inserção da língua estrangeira para crianças. O senhor é a favor, ou contra o ensino-aprendizagem de linguas estrangeiras para crianças de escolas públicas brasileiras?

Rajan: Essa pergunta não pode ser respondida com sim ou não, não é uma pergunta tão fácil. Eu digo, a questão mais importante não é que idade deve começar. Há opniões de que com crianças muito pequenas, não se pode trabalhar com a cabeçinha delas. Eu digo que a questão não é essa. A gente tem que pensar o ensino-aprendizagem de línguas no contexto maior, ou seja, é uma sociedade. Ensino de língua não é brincadeira. Nesse contexto que nós estamos vivendo, o contexto de globalização, países estão investindo pesadamente nesta questão. Então, a gente tem que perguntar para que a sociedade brasileira precisa que seus cidadãos tenham acesso às línguas? Isso é uma questão de geopolítica. Se o Brasil ptrecisa de línguas, então a gente tem que pensar nesta questão. Uma vez estabelecida a prioridade, a gente tem que perguntar qual a maneira melhor, quais os métodos a serem usados. Voltando à sua pergunta em relação a qual idade, não dá para afirmar se é interessante começar o ensino de língua com quatro anos com uma família do campo, de um lugar qualquer que não tem nenhuma perspectiva de entrar em contato com estrangeiro ou que possa ter qualquer utilidade, talvez nem precise disso.  Então, é tolice tentar com uma criança sendo criada no campo, com finalidade nada mais que isso, ensinar língua estrangeira. Língua materna sim, todos nós precisamos saber. Então, há circunstâncias e circunstâncias, há casos em que as crianças aprendem naturalmente. Eu mesmo sou exemplo vivo, eu fui criado falando três, quatro idiomas e nem se quer sabia que eu estava falando quatro idiomas. Pra mim era uma só língua. Então, eu volto a enfatizar: não há uma solução muito simples. Agora, eu rechaço completamente a idéia defendida por alguns estudiosos de que tem que ter, no mínimo, uma idade qualquer. Não, não tem. Criança é muito mais esperta do que a gente pensa, criança não é um infante sem fala. Deixe a criança sozinha que ela tem condições.

Silva, Santos e Justina: Professor, a penúltima pergunta se refere à formação de professores. Hoje, no contexto brasileiro, nós temos os Cursos de Letras e as políticas de formação não inserem a educação linguística para crianças. O professor acha que seria interessante uma reformulação nas políticas de formação de professores para trabalhar com esta questão?

Rajan: Conforme eu disse, isso só vai acontecer, se a gente pereceber e agir de acordo com essa percepção nítida entre política linguística e o ensino de línguas. Acho que precisamos atrelar as duas coisas cada vez mais. A gente tem que pensar o ensino de línguas desde a abordagem, a metodologia a ser adotada em função da política linguística adotada no país. Portanto, é o que eu digo, um professor na sala de aula tem a necessidade de atuar politicamente sim. É seu dever enquanto cidadão atuar politicamente e inclusive pensar a respeito de como a língua deve ser, qual o lugar que a língua estrangeira deve ocupar na política geral. Isso é um direito, um dever de cada cidadão inclusive do professor na sala de aula. Não dá para escapar disso.

Silva, Santos e Justina: Então, agora a última pergunta partindo da idéia que o senhor já desenvolveu várias pesquisas dentro da área da linguística aplicada, talvez podendo trazer para nós algumas prospecções de futuras pesquisas na área, o que considera de suma importância, podendo indicar para os leitoras da Revista Norte@mentos? Que pesquisas ou que eixos teóricos ou epistemológicos deveriam ser desenvolvidos nas pesquisas?

Rajan: O grande desafio que nós temos hoje é repensar o próprio conceito de língua. Estou convencido de que muitos de nós, sem saber, estamos repetindo, quando discutimos língua, conceitos de categorias herdadas do século passado. Nem somente do século XX, mas o século XIX ainda marca sua presença. Por exemplo, conforme eu venho falando sobre a resistência quanto as línguas híbridas. Eu até chamo de mestiçagem linguística. Por exemplo, muita gente estranha a expressão portunhol. Portunhol, que é isto? Ou se fala português ou espanhol? Portunhol não é um bicho que você está imaginando. O mundo inteiro está presenciando fenômenos parecidos com o Splangish, nos Estados Unidos, que mistura espanhol e inglês. Há o Franglês no Canadá, por exemplo. Hindinglish na Índia, misturando o inglês com o hindi. Isso é natural, assim como é natural na própria raça humana a mestiçagem. Sempre existiu e sempre existirá. O Brasil é a prova mais importante dessa experiência com a raça humana. É uma mistura, um caldeirão que a gente criou. Isto inevitavelmente vai acontecer com a língua também. Agora, se as pessoas ainda resistem a essas línguas mistas, é porque nós temos idéias pré-concebidas herdadas do século XIX. O grande desafio para a linguística aplicada, portanto, eu acho, que é começar da estaca zero, talvez mudar, eu quero dizer, pensar, se desvencilhar das nossas idéias herdadas do século passado. Devemos tentar pensar a linguagem de outros modos, outras maneiras mais adequadas para o nosso tempo.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SILVA, K. A.; SANTOS, L. I. S.; JUSTINA, O. Entrevista com Kanavillil Rajagopalan: ponderações sobre linguística aplicada, política linguística e ensino-aprendizagem. Revista de Letras Norte@mentos- Revista de Estudos Linguisticos e Literários. Edição 08. Estudos Linguísticos 2011/02.



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